8.4 “CONFIGURAÇÃO DE GESTALT NA REDE”, PLEIADES, CLAVIER, IANNIS XENAKIS

     

        Nascido na Roménia de pais gregos, sua família retornou para a Grécia quando tinha dez anos. Lá estudou engenharia em Atenas. Os estudos foram interrompidos pela ocupação nazista. Participou na resistência grega na Segunda Guerra Mundial e na primeira fase da Guerra Civil Grega como membro da companhia de estudantes Lord Byron do Exército de Libertação do Povo Grego. Em Janeiro de 1945 foi ferido por um obus, perdendo um olho e desfigurando-lhe parte do rosto. Em 1946 finalizou os estudos de engenharia, mas foi perseguido e condenado à morte devido ao seu ativismo político, fugindo para França em 1947.

       Música Estocástica:

“Estocásticos são padrões que surgem através de eventos aleatórios. Por exemplo, o lançar de dados resulta em numéricos estocásticos, pois qualquer uma das 6 faces do dado tem iguais probabilidades de ficar para cima quando de seu arremesso.

Porém, é importante salientar uma diferença entre aleatoriedade e estocasticidade. Normalmente, os eventos estocásticos são aleatórios. Todavia, podem eventualmente não o ser. É perfeitamente plausível, embora improvável, que uma série de 10 arremessos de dados gere a seqüência não aleatória de 6,5,4,3,2,1,2,3,4,5 ou 1,1,1,1,1,1,1,1,1,1. Apesar de coerente – ou comprenssível (podendo ser expressa de um modo mais comprimido que a seqüência inteira) – a seqüência não-aleatória é estocástica, pois surgiu através de um evento aleatório: o lançar de dados.” [1]

       Esse é um exemplo retirado do livro “Formalized Music. Thought and Mathematics in Music” do próprio Xenakis que mostra probabilidades nos arremessos de dados.

Exemplo Musical  31: Dados Formalize Xenakis, Iannis. “Formalized Music. Though and Mathematics in Music”, Nova Iorque: Pendragon (1992) pag.220

Exemplo Musical 31: Dados Formalize Xenakis, Iannis. “Formalized Music. Though and Mathematics in Music”, Nova Iorque: Pendragon (1992) pag.220

 

 

       Descrição da peça pelo próprio Xenakis:

“A única fonte para esta composição poliritmica é a idéia de periodicidade, repetição, duplicação, em cópias fiéis, pseudo-fiéis, infiéis…”. A concepção de Xenakis é inusitada, mas “Pleiades” é uma peça maravilhosa que pode ser apreciada mesmo sem a percepção consciente das “nuvens, nebulosas e galáxias de batidas fragmentadas organizadas pelo ritmo”.[2]

       Xenakis descreve também sua visão sobre a organização dos eventos musicais com a composição através de recursos probabilísticos, onde o efeito das coincidências matemáticas podem desenvolver periodicidades em meio ao caos. Além das coincidências matemáticas devemos refletir também sobre as probabilidades perceptuais que os ouvintes farão no momento de suas audições. Uma destas coincidências em meio ao caos foi o alvo da analise no experimento com esta peça.

        peça é arquitetada em quatro movimentos: Metaux (for metais), Claviers (percussões de teclado), Peaux (tambores) e Melanges (misture).

       Utilizei apenas o segundo movimento, Clavier, composto para instrumentos de teclado de metal.

       A presente análise mostra recortes da WAV sonora obtida da gravação utilizada nos experimentos, já que neste tipo de execução parte da organização temporal dos eventos depende do interprete no dado instante da execução. Desta forma os efeitos perceptuais serão melhores relacionados com as localizações reais que aqui estarão sendo vistas através da imagem gerada por um WAV.

        A primeira seção mostra um único padrão tocado simultaneamente, o que da ao ouvinte uma pulsação inicial constante e de fácil organização.

Figura 33: Primeiro padrão WAV, Pleiades- Imagem criado pelo próprio autor retirada da tela do programa utilizado nos experimentos (Cubase SX)

Figura 33: Primeiro padrão WAV, Pleiades- Imagem criado pelo próprio autor retirada da tela do programa utilizado nos experimentos (Cubase SX)

 

       A onda de cima mostra o inicio dos ataques e a de baixo o som contínuo.

       Após estas vinte batidas iniciais uma defasagem dá origem a um novo padrão. A defasagem se origina por uma mudança na velocidade, gerando um primeiro contraste de padrões de 5 contra 4 notas mostradas na figura (34).

Figura 34: Primeira defasagem, gerando 4 X 5, Pleiades

Figura 34: Primeira defasagem, gerando 4 X 5, Pleiades

 

       Esta defasagem se mantém por 3 ciclos e uma nova defasagem cria então uma outra textura polirrítmica. Tais padrões dificilmente serão percebidos separadamente, pois serão executados com um timbre muito parecido.

       Neste caso o timbre é um fator determinante na percepção, pois ele junta ou separa notas próximas, definindo padrões na percepção.  Um exemplo é uma tercina de colcheias tocada simultaneamente a quatro semicolcheias. O timbre pode variar as audições em dois padrões distintos ou um único mais complexo.

Exemplo Musical  32: Padrões polirritmicos e Timbre

Exemplo Musical 32: Padrões polirritmicos e Timbre

 

 

       Nesta parte do áudio o som ganha uma característica de “nuvens, nebulosas e galáxias de batidas fragmentadas organizadas pelo ritmo” como ele mesmo descreve. Esta organização ao mesmo tempo em que não define padrões, permite que a interpretação do ouvinte diferencie padrões em meio ao caos como enxergamos figuras e formas nas nuvens quando olhamos para o céu. Uma percepção parecida ocorre numa brincadeira de ligar os pontos, onde só se enxerga a forma depois de ligá-los. Na capa do disco da gravação de “Pleades” utilizada, temos a foto do aglomerado estelar citado. Um aglomerado de estrelas deste tipo pode ser visto através de varias probabilidades de organizações de padrões.

 

       A lei da Gestalt aqui utilizada é a de “experiências passadas” relacionada a uma “configuração de Gestalt na rede”. Uma característica já citada do sistema perceptual humano, no modo de decodificação dos dados assimilados é o fato de relacionarmos os dados recém-assimilados aos de nossa memória para decodifica-los. No entanto o dado novo inserido neste capitulo é a formulação de complexos a partir de suas partes, mesmo se o complexo total não tiver sendo observado. Por exemplo, se já tivermos visto a forma inteira de um elemento, ao visualizarmos somente uma parte dele reproduziremos esta forma inteira na memória. 

 

       “Num processo que envolve o pensamento analógico, o trabalho mental não se limita a recuperar um análogo como um todo já preparado para ser utilizado no outro. A memória pode ser chamada para compilar um complexo de informações que não estavam conectados a priori, sendo uma quantidade de informação recuperada não somente de um análogo, mas de vários que se integram para aplicarem-se ao problema em questão e também a outros.”[3]

 

       Ao olhar a capa do disco posso ver um rosto formado por estrelas mesmo que ele não se forme por inteiro e ao mesmo tempo outra pessoa pode enxergar outra forma nas estrelas pela decodificação de sua memória.

 

Figura 35: Capa do disco PLÉIADES com foto de aglomerado estelar

Figura 35: Capa do disco PLÉIADES com foto de aglomerado estelar

       Um apud de Mecacci demonstra essa característica que interage percepção com intelecção de forma muito interessante referindo-se a transferência de aspectos aparentemente não relacionados, que acabam se conectando constituindo a tal analogia. Gauss, a respeito de um teorema que não conseguia resolver durante anos, escreveu:

       “Finalmente, há dois anos, consegui resolvê-lo, por obra dos meus esforços dolorosos e pela graça de Deus. Como uma centelha súbita de iluminação, o enigma resolveu-se. Eu mesmo não sei dizer qual foi o fio condutor que conectou o que eu sabia precedentemente com o que tornou meu êxito possível.”

Gauss apud Mecacci 1987

       Mecacci explica tal acontecimento da seguinte forma:

       “Colocam-se, diante do pensamento, inúmeros fragmentos aparentemente sem conexão entre si, como eram para Gauss, os elementos de seu Teorema. Depois, vê-se repentinamente a solução, os elementos se ligam entre si, recompõem-se numa unidade, numa estrutura organizada que, precedentemente, era literalmente invisível.”

Mecacci, 1987

 

Abaixo confira uma entrevista com o próprio compositor:
http://youtu.be/j4nj2nklbts?list=RD91uYVXQ3DU0

[1] Artigo publicado no site http://educincosentidos.blogspot.com/ 16 Outubro 2005 consultado dia 20/10/2008 Autor: Gilberto Câmara

[2] Obtido em “http://pt.wikipedia.org/wiki/Estoc%C3%A1stico” (20/10/2008)

[3] -ABDOUNUR, Oscar João. Matemática e Música

São Paulo: Escrituras, 1999, – pag.158

 

8.3 LEI DE WEBER, TROCA DE FIGURA E FUNDO EM KOYAANISQATSI, VESSEL, PHILIP GLASS

http://youtu.be/PirH8PADDgQ
Koyaanisqatsi: Life Out of Balance, é um filme documentário de 1983 dirigido por Godfrey Reggio com música de Philip Glass e cinematografia de Ron Fricke.

        O filme consiste primariamente de imagens de arquivos em câmera lenta e em time-lapse, mostrando cidades e muitas paisagens naturais dos Estados Unidos. Com o visual de poema sinfônico. O filme não contém nenhum diálogo ou narração, sua narrativa é estabelecido pela justaposição de imagens e música. Reggio explica a falta de diálogo dizendo, “Não é por falta de amor à linguagem que estes filmes não têm palavras. É porque, do meu ponto de vista, nossa linguagem está em um estado de vasta humilhação. Não descreve mais o mundo em que vivemos”. Na língua hopi, Koyaanisqatsi significa “vida maluca, vida em turbilhão, vida fora de equilíbrio, vida se desintegrando, um estado de vida que pede uma outra maneira de se viver”.

        O filme é o primeiro da trilogia Qatsi: foi seguido por Powaqqatsi (1988) e Naqoyqatsi (2002). A trilogia mostra diferentes aspectos das relações entre humanos, natureza e tecnologia. Koyaanisqatsi é o mais conhecido dos três e é considerado um filme de linha cult.

        A trilha  é constituida de seis faixas. A escolhida para o laboratorio foi a segunda chamada Vessel composta para uma Soprano, 2 Alto, 2 Tenor, Baixo, Flauta, Sax Soprano, Sax Tenor e sintetizadores (SAATTB/FLT/SSAX/TSAX)

“A lei de Weber indica que o limiar é proporcional ao excitante, isto é, que o acréscimo do excitante necessário para que possamos distingui-lo do precedente deve ser tanto maior quanto maior for esse próprio excitante. Essa lei combina perfeitamente com a idéia de que esse acréscimo não é percebido em si mesmo, mas em função do excitante ao qual se acrescenta. A comparação não é ato acrescentado a percepções absolutas; seja simultânea ou sucessiva, é forma da organização da percepção, na qual as partes dependem do todo. Percebe-se uma forma, um contraste, um progresso, e é natural que a diferença percebida não seja independente do nível alcançado.” [1]

 

                “A tendência da teoria é de precisar a similitude dos fenômenos e dos processos cerebrais. A organização da percepção depende das propriedades do meio cerebral no qual se realiza. Uma dualidade de objetos visíveis corresponde a uma dualidade no processo cerebral. Quando a figura se destaca do fundo há, no campo psicofísico, separações de duas fases   (tomando esta palavra no sentido que possui em física).”[2]

 

        Ao estabelecer padrões rítmicos com distintas velocidades de pulso, como em Vessel, obtemos duas fases Criadas pelas configurações rítmicas destes padrões. Da mesma forma que no exemplo do vaso e dos rostos observamos que existe a troca entre figura e fundo na audição dos padrões musicais. Padrões que  se intercalam mudando de fase ao trocarem suas organizações rítmicas e  instrumentais.  Os instrumentos que eram fundo saltam a frente mudando de fase ao passo que mudam de pulso. Estes agora se tornam figura a frente de  um novo fundo estabelecido pela mudança de fase simultânea. Desta forma observamos uma constante reformulação no padrão do soprano. Padrão constituído por Mi, Fa, Mi, Fá, se organiza em pulsos binários (como em um 6 por 8) em quanto as outras vozes  atacam em semínima pontuada. Ao mudar o padrão das outras vozes para semínimas, o pulso do padrão da soprano passa a ser organizado em ternário (como um 3 por 4). Tais relações estão demonstradas no exemplo musical 27 que corresponde ao inicio da musica.

Exemplo Musical  27: Inicio de Vessel - Soprano, Altos e Tenor

Exemplo Musical 27: Inicio de Vessel – Soprano, Altos e Tenor

 

        A velocidade é um dos dados mais perceptíveis e um dos recursos mais evidentes na fisiologia da percepção. O fundo ao qual  os dados contrastam para serem percebidos se distinguem pela velocidade. Assim como as frequências se distinguem em oscilações por segundo as notas mais agudas são percebidas a frente das graves, mesmo tendo o mesmo numero de decibéis, são percebidas como se fossem mais fortes em intensidade do que as graves. O mesmo deve acontecer aos BPMs mais rápidos que os lentos. O Experimento 3 nos mostra que as marcações dos tempos mais rápidos são sentidas como pulsação a frente das lentas em polirritmias. Na analise do experimento 3 com Vessel podemos comprovar esta relação. Na segunda seção, mais precisamente na segunda entrada dos sintetizadores e flauta que fazem arpejos em semicolcheias, podemos constatar a influenciaram considerável na pulsação em ciclos binários de 6 por 8, ou seja, em semínimas pontuadas. Os mesmos arpejos são tocados em sextinas de semicolcheias na terceira seção o que levou os participantes a serem influenciados a organizarem suas percepções em pulsos ternários, ou seja, em semínimas. Observemos tais comparações relacionando os exemplos musicais 28 e 29 logo abaixo:

 

Exemplo Musical  28: Segunda seção após os arpejos em semicolcheias, Vessel

Exemplo Musical 28: Segunda seção após os arpejos em semicolcheias, Vessel

Exemplo Musical  29: 3ª seção após os arpejos em sestinas, Vessel

Exemplo Musical 29: 3ª seção após os arpejos em sestinas, Vessel

        Os sintetizadores e a flauta iniciam esta seção em sextinas de semicolcheias, fazendo a mesma sequência de arpejos, mas ao invés de dois arpejos por compasso, como na seção anterior em semicolcheias, três. Este início de seção aumenta a probabilidade dos padrões serem organizados em compassos de 3 por 4, aumentando a probabilidade da sensação de pulso ser percebida desta forma, consequentemente aumentando a probabilidade dos outros instrumentos serem organizados nesta pulsação. Tanto por começarem a seção sem os outros instrumentos na outra pulsação quanto por sua velocidade como vimos na lei de Weber.

Exemplo Musical  30: continuação da 3ª seção após as sextinas, Vessel

Exemplo Musical 30: continuação da 3ª seção após as sextinas, Vessel

 

       Semelhança: Igualdade de forma ou cor, desperta também a tendência de se construir unidades e estabelecer agrupamentos.

       Em Vessel, as repetições constantes das frases tornam a igualdade das “duas” formas, que ganham maior conexão por carregarem o mesmo material harmônico (a mesma cor) contrastado pela dupla dimensionalidade rítmica que se apóia em um mínimo múltiplo comum estabelecendo um agrupamento construindo uma unidade em maior escala.

Figura 32: Semelhança e alinhamentos de padrões organizando padrões de maior escala

Figura 32: Semelhança e alinhamentos de padrões organizando padrões de maior escala

 

Nas figuras acima podemos ver esta tendência de construir unidades de maior escala quando existe semelhança na constituição dos padrões e em seus alinhamentos. Padrões maiores feitos de menores organizados pela lei da semelhança combinados ao alinhamento de padrões.


[1] GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 (Pag.87)

[2] GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 (Pag. 92)

8.2 SEMELHANÇA E PIANO PHASE, STEVE REICH

       A lei da “Semelhança” ou “Similaridade”, possivelmente é a lei mais óbvia e possivelmente a lei que nos mostra o tipo de variação da percepção que ela pode causar de forma mais evidente. Esta lei  define que os objetos similares tendem a serem agrupados pela  percepção humana. A “Similaridade” pode estar entre as cores dos objetos, entre as textura e  sensação de massa dos elementos. Estas características podem ser exploradas quando desejamos criar relações ou agrupar elementos na composição de uma figura. Por outro lado, o mau uso da “Similaridade” pode dificultar a percepção visual como, por exemplo, o uso de texturas semelhantes em elementos do “fundo” e em elementos do primeiro plano.

Figura 22: Semelhança exemplo 2 - Estrela

Figura 22: Semelhança exemplo 2 – Estrela

 

          “Nesta figura, as três unidades estelares básicas sobrepostas se segregam claramente pelos fatores de proximidade e de semelhança (sobretudo pelas formas triangulares e pelas cores). A figura como um todo aparentementa uma unificação apenas razoave, por apresentar alguns ruidos visuais – acima da unidade central – e, sobretudo, pelo deslocamento da superposição das três unidades basicas, que compromete sua harmonia em termos de uma ordenação equilibrada.”[1]

 

          A analise das probabilidades de variações perceptuais com esta lei perceptual da Gestalt teve seu foco em cima da técnica de “Phase Shift” desenvolvida por Steve Reich neste trabalho. Steve Reich é um dos expoentes mais conhecidos do Minimalismo norte-americano. O Minimalismo, como fruto direto do experimentalismo norte-americano levou às últimas consequências os processos de repetição. Portanto, o minimalismo se define não apenas por processos de repetição, mas por processos sistemáticos de repetição. Podemos ter uma ideia do que Reich tinha em mente quando desenvolvia estas técnicas através algumas de suas palavras em seu manifesto minimalista escrito em 1968 e publicado em 1974 pela Writing About Music:    

 

 

           “Eu não quero dizer processo de composição, mas sim obras que são literalmente processos. O que é distintivo em um processo musical deste tipo é que ele determina todos os detalhes, de nota para nota, de uma composição, e toda a sua forma simultaneamente, Estou interessado em processos perceptíveis. Quero ser capaz de ouvir o processo acontecendo através do fluxo de toda a extensão da música…Processos musicais podem nos dar contato direto com o impessoal e também um tipo de controle completo…por esse “tipo” de controle completo eu quero dizer que, ao fazer esse material se articular através desse processo, eu controlo completamente todos os resultados, mas também aceito todos os resultados sem mudanças.”[2]

 

            A peça articula um mesmo padrão de doze notas, apresentado inicialmente no piano I (P.1) na seqüência logo introduzida, em uníssono, pelo piano II (P.2). A partir daí o piano II gradualmente defasa em relação ao  piano I, através de um sutil accelerando, até a segunda semicolcheia do padrão repetido no piano II (Fá #) se encontrar com a primeira semicolcheia (Mi) do padrão repetido no piano I (o piano I mantém sempre uma mesma velocidade). Quando existe um alinhamento dos padrões (quando os dois instrumentistas estão tocando na mesma velocidade e sincronizados) o padrão é repetido de 16 a 24 vezes até a próxima defasagem ser iniciada. Quando existe uma nova defasagem esta se dá no período de tempo entre 4 e 16 repetições.

Exemplo Musical  13:  Padrão constante de Piano Phase   P1

Exemplo Musical 13: Padrão constante de Piano Phase P1

Figura 23: Padrão constante de Piano Phase

Figura 23: Padrão constante de Piano Phase

E F# B C# D F# E C# B F# D C#
PH ex M 14                                                                      PH F 23 01        PH F 23 01
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
E F# B C# D F# E C# B F# D C#

PH ex M 15                                                                              PH F 23 01      PH F 24

E F# B C# D F# E C# B F# D C#
F# B C# D F# E C# B F# D C# E
PH ex M 16                                                                            PH F 23 01  PH F 25
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
B C# D F# E C# B F# D C# E F#
 PH ex M 17                                                                              PH F 23 01PH F 26
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
C# D F# E C# B F# D C# E F# B

Exemplo Musical  18: 4ª defasagem

 

PH F 23 01PH F 28
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
D F# E C# B F# D C# E F# B C#
PH ex M 19
PH F 23 01PH F 29
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
F# E C# B F# D C# E F# B C# D
PH ex M 20
PH F 23 01PH F 30
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
E C# B F# D C# E F# B C# D F#
PH ex M 21
PH F 23 01PH F 31
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
C# B F# D C# E F# B C# D F# E
PH ex M 22
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
B F# D C# E F# B C# D F# E C#
PH ex M 23
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
F# D C# E F# B C# D F# E C# B
PH ex M 24
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
D C# E F# B C# D F# E C# B F#
PH ex M 25
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
C# E F# B C# D F# E C# B F# D
PH ex M 26
E F# B C# D F# E C# B F# D C#
E F# B C# D F# E C# B F# D C#

                  Podemos observar uma relação entre as duas leis semelhança e proximidade na figura a seguir:

As linhas estão perfeitamente alinhadas horizontalmente, no entanto nossa percepção desenvolve inúmeras variações da realidade curvando as linhas ou atribuindo movimento as figura que é inerte.

                                      Gestalt 01

         Exemplo de semelhança e proximidade com linhas alinhadas horizontalmente


[1]  Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma / João Gomes Filho.

São Paulo, Escrituras Editora, 2000.

 

[2] REICH, Steve. Writings about Music. Halifax: Nova Scotia College of Art and Design, 1974 (pag.9, 10)

8.1 LITURGIA DE CRISTAL, MESSIAEN

PREGNÂNCIA DA FORMA

   Figura 14: Alta e Baixa Pregnância

Figura 14: Alta e Baixa Pregnância

           Quanto maior for a organização, em termos de facilidade de compreensão, rapidez de leitura ou interpretação e localizações espaço temporais, maior será a pregnância. Imagens complexas e difíceis de entender, como escudos com excesso de unidades compositivas, possuem baixa pregnância, pois o observador precisa se esforçar para compreender a figura, sempre correndo o risco da ambigüidade.

            A técnica utilizada por Messian em Liturgia de cristal cria uma imagem temporal de baixíssima pregnância. A quantidade de informação é altíssima, suas localizações difíceis de serem organizadas.

            “ Messiaen vê a duração como um “dado imediato da consciência”. Define a duração como flutuação de tempos e mudança de velocidade e nesse sentido enfatiza a duração heterogênea e indivisível. Essa definição põe então de lado a sucessão de medidas cronológicas enfatizando a “sucessão de estados de consciência”, visto que esta é interna e não externa à experiência que o sujeito tem com o objeto. O tempo anteriormente visto como estruturado, abstrato, cronológico, distingue-se agora da duração vivida; um é o tempo homogêneo de partes idênticas e o outro a duração heterogênea que se dá por superposição de velocidades diferentes.” [1]

 

            Para entender as relações de Liturgia de Cristal, o ouvinte deve ampliar seu presente de forma a não fechar ciclos tornando o tempo estriado. Segundo o próprio Messiaen sua técnica é direcionada e fundamentada na filosofia do tempo liso de Bergson. Busca tal efeito na consciência do ouvinte pela distancia a qual o ouvinte deve se por diante da imagem do tempo. Tal técnica é utilizada em Liturgia de Cristal deslocando 29 acordes no piano sobre uma série de 17 durações simultaneamente a uma serie de 5 notas no cello que desloca-se sobre uma serie de 15 durações.

         “Aproximando esse heterogêneo de uma possível estratégia composicional, Messiaen faz uma leitura de Donnés imediates de Bergson que relaciona o heterogêneo com a pura duração – com a duração do vivido. Essa “heterogêneidade pura” resulta então da sucessão de mudanças qualitativas que se fundem, se interpenetram, sem definir qualquer contorno preciso  sem nenhuma tendência a exteriorizar um termo com relação a outro como imperava nas relações de desenvolvimento, direcionalidade e hierarquia”   [2]

 

Figura 15: Complexidade e baixa pregnância Foto de Prédios

Figura 15: Complexidade e baixa pregnância Foto de Prédios

 

           A forma e estrutura de Liturgia de Cristal são similares a um vitral complexo, onde o observador deve se afastar da imagem para entender sua complexidade.

 

           “Em seu Traitée de rythme, de couleur, et dòrnithologie, Messiaen apresenta a música como sendo a arte do tempo: ela delineia o tempo. Ou, como diz Deleuze a esse respeito: fazer do som o artifício que torna o tempo sensível .”[3]

Figura 16: Vitral formado apenas com figuras geométricas

Figura 16: Vitral formado apenas com figuras geométricas

 

Figura 17: Vitral da Capela de Notre de La Belle Verrière ; França

Figura 17: Vitral da Capela de Notre de La Belle Verrière ; França

 Vitral com simbolismo Cristão, presente na obra de  Messiaen

           Abaixo veremos modelo da imagem rítmica de “Liturgia de Cristal” de Messiaen, criado por Renato Bon, através de um sistema semelhante a percepção humana. Um sistema que vincula espaço e tempo de forma analógica, ou seja, quanto maior a duração maior o espaço que ela ocupa na imagem:

Figura 18: 1ª Imagem de Liturgia de Cristal

Figura 18: 1ª Imagem de Liturgia de Cristal

           Ao nos afastarmos podemos enxergar mais de sua estrutura, ao passo que mais compassos são inseridos ao campo de visão:

Figura 19: 2ª Imagem de liturgia de Cristal

Figura 19: 2ª Imagem de liturgia de Cristal

 

Em um segundo afastamento podemos enxergar mais de sua estrutura:

Figura 20: 3ª Imagem de Liturgia de Cristal

Figura 20: 3ª Imagem de Liturgia de Cristal

 

Imagem total da peça:

Figura 21: Imagem total de Liturgia de cristal

Figura 21: Imagem total de Liturgia de cristal

Análise:

           “O que notaremos é que para Messiaen não basta, no entanto, a dicotomização entre tempo e eternidade, mas ficar entre o tempo e a eternidade. E, com a idéia de “tempos superpostos”, ele fala de três formas de percepção do tempo: 1) a que esquece os termos e considera apenas o todo; 2) a que separa os termos em partes discretas; 3) a que liga os termos por meio da memória “[4]

Exemplo Musical  5: Serie rítmica do piano de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 5: Serie rítmica do piano de Liturgia de Cristal

 Os números mostram a seqüência das series rítmicas nos dois instrumentos, Piano e Cello. Logo abaixo podemos observar com maiores detalhes:

Exemplo Musical  6: Início de Liturgia de Cristal Piano e Cello

Exemplo Musical 6: Início de Liturgia de Cristal Piano e Cello

          Junto a esta estrutura o violino e o clarinete desenvolvem melodias flutuantes com muitas quiálteras.

         Na seqüência veremos os números da serie rítmica de 17 durações em preto e junto à série de 25 acordes do piano:

Exemplo Musical  7-02

Exemplo Musical  7: Serie de 17 durações junto a serie de 25 acordes do piano de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 7: Serie de 17 durações junto a serie de 25 acordes do piano de Liturgia de Cristal

Assim por diante.

   Violoncello:

Exemplo Musical  8 Série de 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 8 Série de 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

1ª Posição:

Exemplo Musical  9: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 9: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

2ª Posição:

Exemplo Musical  10: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal  2ª Posição

Exemplo Musical 10: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal
2ª Posição

3ª Posição

Exemplo Musical  11: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal  3ª Posição

Exemplo Musical 11: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal
3ª Posição

Assim por diante.

           Abaixo podemos ver As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura:

Exemplo Musical  12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura

Exemplo Musical 12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura

 

 

 

 

 

 

 

Exemplo Musical  12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura


[1]  Silvio Ferraz,  Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998 pag.186

[2] (Traité de rythme, de couleur Et dòrnithologie 1992, pag.34 por Silvio Ferraz, apud- Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998)

[3] Silvio Ferraz,  Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998 pag.186

[4] (Traité de rythme, de couleur Et dòrnithologie 1992, pag.35 por Silvio Ferraz, apud- Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998)

8. TÉCNICAS COMPOSICIONAIS E LEIS DE ORGANIZAÇÃO PERCEPTUAIS DA GESTALT

           Neste capitulo da pesquisa veremos características das leis de organização perceptuais da Gestalt relacionando-as a exemplos musicais que contenham as técnicas composicionais citadas. Desta forma observaremos conexões entre os limites da percepção e as possíveis variações, enganos ou até mesmo ilusões que a percepção possa gerar ao beirarmos os seus limites.

7. EXPERIMENTOS

Os experimentos estão em um caderno à parte para maior comodidade na inter-relatividade de seus dados com o resto do trabalho.

6.3 FLUXO TEMPORAL E LIMITES FISIOLÓGICOS

           O limite fisiológico mais evidente é o processamento. A simultaneidade de uma quantidade maior que a capacidade fisiológica tanto na captação quanto na organização dos eventos, pode levar o ouvinte a não relativizá-lo não os interpretando em suas distancias, conseqüentemente não os percebendo conscientemente.

           Temos um limite nas pequenas distâncias chamado de acuidade temporal. Acuidade temporal é uma distância entre eventos que por serem próximas nós não as interpretamos como eventos distintos. Um exemplo visual é a película do cinema onde a cena parece ter uma continuidade pela seqüência de fotos em 30 frames por segundo. Um exemplo auditivo é o rudimento de caixa: quando as notas da caixa são tocadas muito próximas são ouvidas como um som continuo.

           Os outros limites são relacionados à organização dos dados após assimilados e serão detalhados junto às técnicas e leis de organização perceptual relacionadas.

6.2 FLUXO TEMPORAL E AGÓGICA

          Os eventos são comparados em suas relativas distâncias para percebemos suas existências no fluxo temporal, um exemplo está na figura abaixo, onde a barra superior mostra os segundos e o desenho do piano, logo abaixo, mostra a representação das localizações das notas do Prelúdio No.2 em Dó menor do Cravo Bem temperado de Bach como está grafado na partitura, em uma interpretação de localizações “absolutas”  (sem interpretação agógica) pelo sistema MIDI.

Figura 11: Exemplo MIDI Fluxo temporal e Agógica

Figura 11: Exemplo MIDI Fluxo temporal e Agógica

Exemplo Musical  4: Prelúdio da Fuga No.2 em Dó menor do Cravo Bem Temperado de Bach

Exemplo Musical 4: Prelúdio da Fuga No.2 em Dó menor do Cravo Bem Temperado de Bach

 

           Percebemos que captamos os eventos e organizamos suas localizações na seqüência cronológica. Ao perceber ou calcular o começo e o fim de cada evento obtemos suas durações. Durações estas que tem começo, meio e fim podendo ser vistas como Ataque (1), Ressonância (2) e Decaimento (3) na figura abaixo:

Figura 12: Envelope

Figura 12: Envelope

           Um fato de grande importância na interpretação do tempo musical é a agógica. Um interprete varia as durações em sua interpretação mesmo que elas estejam escritas da mesma forma dando características humanas à sucessão de eventos. Podemos ver um exemplo destas relações na figura abaixo que mostra uma gravação da interpretação de Christiane Jaccottet do Prelúdio da Fuga No.2 em Dó menor do Cravo Bem Temperado de Bach:

Figura 13: Interpretação e agógica

Figura 13: Interpretação e agógica

 

           Perceba como umas notas duram mais que as outras na interpretação de Christiane, valorizando o momento em que estas aparecem, acima de suas durações escritas. Se tais probabilidades de interpretação ocorrem na interpretação da execução é bem provável que variações ocorram na interpretação do ouvinte, ou por valorizações de momentos que são relativos ao sistema musical ou pela infinidade de fatores que podem levar um ouvinte a aumentar, diminuir e relacionar as durações variando suas localizações em relação ao fluxo temporal.

 

           No capitulo The Psychology of Time Perception de Kramer uma descrição cientifica pode nos dar maior profundidade sobre o assunto:

 

“…Psicólogos mostraram aquele tempo subjetivo geralmente não igual do tempo do relógio. No processo de experimentar e se lembrar de comprimentos de tempo então, nós os alteramos. Porém, estão se enganando ao pensar em alterações de tempo subjetivo como distorções. Duração subjetiva é mais relevante à compreensão de música que a duração medida pela diferença potencial entre a duração aparente de um timespan que está em memória e a memória é a memória da duração que o timespan parecia ter quando originalmente foi ouvido. Em outras palavras, nossa experiência de duração pode não concordar em retrospecto com nossa experiência de duração passanda. Além disso, nenhum destes comprimentos subjetivos necessariamente corresponde à duração do relógio.”[1]

           Kramer fala não somente da variação agógica da execução levantando a relação agógica encontrada na valoração de alguns momentos na audição. Da mesma maneira que um interprete estende a duração de algumas notas buscando uma valorização daquele momento o ouvinte pode variar em distintas durações sua audição por uma valoração subjetiva interna.

 


[1] KRAMER, Jonathan. The Time Of  Music

New York: Schirmer Books, 1988 Pag. 326

 

 

6.1 FLUXO TEMPORAL E SISTEMA MUSICAL

Como podemos ver na análise de “Liturgia de Cristal”, o deslocamento dos acordes sobre uma série rítmica pode leva o ouvinte, que entende estas relações, a expandir a sua percepção do presente por não fechar ciclos. Um ouvinte que não entende tais relações não as percebe e não acompanha tais deslocamentos dos eventos, podendo fechar ciclos não expandindo sua percepção do presente, diferentemente da agógica que é percebida por qualquer ouvinte. Mesmo que as variações nas durações ocorram por valorizações de momentos escolhidos pelo interprete pela relação com o sistema musical, a audição de tais variações nas durações não dependem destes conhecimentos para serem percebidos. Já a expansão da percepção do presente, através de um tempo sem estrias, chamado de tempo liso por Bergson, pode ser encontrada na percepção dos ouvintes que ao acompanhar os deslocamentos dos acordes sobre uma serie rítmica, como citei anteriormente, não fecha ciclos, percebendo o tempo liso. Uma sensação parecida pode ocorrer em uma viajem de longa duração, como ir para o Japão e ficar horas no avião. A permanência na mesma situação pode levar o individuo a ampliar a sensação de presente, onde um dia inteiro se torna um único evento.

6. POSSÍVEIS VARIAÇÕES DA PERCEPÇÃO DO TEMPO CRONOLÓGICO

Podemos então dividira as possíveis variações que a música exerce sobre a percepção do tempo cronológico em três tipos:

  1. Relativas ao sistema: Aquelas que precisam do sistema musical e que através dos significados cognitivos modificam a relação do indivíduo com o tempo cronológico. Exercendo influência com total eficácia apenas em conhecedores do sistema musical.
  2. Relativas a Agógica: Esta é intermediaria entre as outras duas, pois existe pelo significado do sistema musical, mas é percebida por leigos.
  3. Relativas ao limite fisiológico: Estruturas que vão alem da capacidade fisiológica perceptiva, tanto receptiva quanto organizacional. Estas  funcionam pela quebra da rede de significados que relativiza os eventos no fluxo temporal. Podem funcionar com qualquer individuo.