3. PSICOACÚSTICA

Há três escalas distintas de tempo nas quais ocorrem variações temporais de relevância psicoacústica. Primeiro, temos a escala “microscópica” de tempo, na qual as vibrações reais de uma onda sonora ocorrem, cobrindo uma gama de períodos de mais ou menos 0,00007 a 0,05 s. Há então uma faixa intermediaria centrada em torno de um décimo de segundo, onde ocorrem algumas variações transientes, tais como ataque e decaimento, representando as variações temporais dos detalhes microscópicos. Finalmente, temos a escala “macroscópica” de tempo, indo de cerca de 0,1 s em diante, correspondendo às durações normais de notas, sucessões e ritmo. É importante observar que cada escala temporal típica tem um “centro processador” particular, com uma função especifica no sistema auditivo.

1. As vibrações microscópicas são detectadas e codificadas no ouvido interno e levam principalmente às sensações primarias das notas (altura, intensidade e qualidade).
2. As vibrações intermediarias ou transientes parecem afetar principalmente mecanismos de processamento no caminho neural entre ouvido e a área auditiva do cérebro e fornecem indicações adicionais para a percepção da qualidade, identificação e discriminação de notas.
3. As vibrações macroscópicas de tempo são processadas no nível neural mais elevado – o córtex cerebral, i.e., a estrutura superficial envoltória e o tecido subjacente do cérebro. Eles determinam a mensagem musical real e seus atributos.
Quanto mais subimos nesses estágios processadores no conduto auditivo, mais difícil se torna definir e identificar os atributos psicológicos aos quais esse processamento leva, e mais as coisas parecem estar influenciadas por aprendizagem e condicionamento cultural, bem como pelo comportamento momentâneo do individuo.

Ao contrario da física clássica, mas muito semelhante à física quântica, nunca se pode esperar que as previsões psicofísicas sejam exatas ou únicas – apenas valores de probabilidade podem ser estabelecidos.

1. Repetidas medições de mesma espécie podem condicionar a resposta do sistema psicofísico em observação: o cérebro tem a habilidade de aprender gradualmente, mudando a probabilidade de resposta a um certo estímulo de entrada, à medida que aumenta o numero de exposições semelhantes.
2. A motivação do sujeito em estudo e as consequências, mentais ou físicas disso podem interferir nas medições de uma forma altamente imprevisível.

Como consequência do primeiro ponto, um estudo psicofísico estatístico com um único individuo exposto a repetidas “medições” nunca será idêntico a um estudo estatístico envolvendo uma única medição tomada com vários indivíduos diferentes. Isso é devido não só as diferenças entre os indivíduos, mas também ao condicionamento que ocorre no caso de exposições repetidas. Os sistemas ultracomplexos de realimentação do sistema nervoso tornam particularmente delicado estabelecer e interpretar medições psicoacústicas. As conseqüências do ponto 2 podem ter alcance muito maior, especialmente em pesquisas sobre o papel do seu consciente.

2.5.1 SISTEMA RÍTMICO

Diferente do sistema tonal, grande parte das relações rítmicas apresenta uma maior facilidade perceptual. Segundo Pierre Schaeffer, no livro Tratado dos Objetos Musicais, o humano desde seu estado mais primitivo tende a percutir para se expressar musicalmente.

A partir da pura percepção auditiva a maioria dos padrões rítmicos tende a ser percebido e compreendido com maior facilidade. Isso ocorre devido o fato de compreendemos o sistema rítmico analogicamente, ou seja, a movimentação da membrana do tímpano é idêntica ao impulso elétrico gerado para a percepção de suas distancias temporais. Diferentemente da percepção melódica, onde o ouvinte deve ter uma serie de códigos musicais inseridos em seu intelecto para decodificar as relações de alturas entre as notas. O estudo da percepção das alturas se inicia com a memorização e identificação dos intervalos musicas. Em um estagio mais avançado deste estudo o ouvinte relaciona as distancias entre as alturas ouvidas identificando as distancias já estudadas. Através da destas identificações o individuo forma o complexo melódico ouvido. Mesmo aqueles raros indivíduos que desenvolvem o ouvido absoluto devem contar com o sistema musical para nomear os dados musicais ouvidos. Concluímos então que a percepção rítmica por corresponder analogicamente aos estímulos requer menos intelectualização para se constituir do que a percepção das alturas. Logo na maioria dos casos mais percebida tendo maior influência no publico.
A percepção então se aprofundada a partir dos dados que são percebidos com maior facilidade. Após os primeiros dados serem percebidos a gama de probabilidades se forma através das inter-relações que cada individuo pode constituir. Podemos dizer então que temos uma hierarquia nos tipos de dados perceptivos. Vamos falar então sobre esta hierarquia.

Pulsação:
O pulso é um fator de maior hierarquia na percepção rítmica. A partir dele todos os dados são organizados e metrificados.

Os padrões rítmicos exigem do ouvinte e executante um maior processamento nas seguintes características:

Velocidade: padrões rápidos exigem uma maior atenção no momento da captação, porém nem todos os padrões rápidos exigem processamento em sua organização. A semelhança auxilia a organização de padrões rápidos. Agrupamentos de semicolcheias em um andamento rápido podem ser facilmente percebidos, quantificados e organizados por ouvintes em diversos estados musicais. Porém se suas relações com os outros eventos forem não semelhantes, sua organização terá um nível maior de dificuldade.

Exemplo Musical  3: Padrões rítmicos– proximidade e semelhança

Exemplo Musical 3: Padrões rítmicos– proximidade e semelhança

No exemplo musical 3 logo acima podemos observar no primeiro compasso agrupamentos de quatro semicolcheias para cada tempo, enquanto temos uma semínima para cada tempo no pentagrama de baixo. Em contraposição temos no segundo compasso o mesmo padrão de semicolcheias no pentagrama de cima contraposto por um novo padrão de quintinas no pentagrama de baixo.
A primeira coisa que observaremos é que o conjunto de semicolcheias por si próprio cria um padrão de subdivisão constante que é percebido instantaneamente por qual que ouvinte independentemente do seu grau de instrução musical. Esse fato ocorre devido a semelhança entre todas as distancias dos ataques das notas.

Figura 6: Proximidade exemplo 1

Figura 6: Proximidade exemplo 1

Localizações: As localizações dos ataques são mais facilmente percebidas e quantificadas quando estão junto ao pulso ou são múltiplos dele.

 Igualdade e diferença: A quantificação diferencia os padrões e os classifica percentualmente por igualdade e diferença.

Figura 7: Semelhança exemplo 1

 

Nos agrupamentos rítmicos percebemos as distâncias entre os ataques das notas. As outras propriedades do som influenciam nas suas organizações em padrões por igualdade e por leis do sistema no qual o ritmo está inserido.

 

Exemplo Musical  3: Padrões rítmicos

 

2.5 MEMÓRIA DO SISTEMA E A INFLUÊNCIA DA CAUSA E EFEITO NA INTERPRETAÇÃO DOS EVÊNTOS

Exemplo Musical  2: Dominante, Tônica e Memória do Sistema

Exemplo Musical 2: Dominante, Tônica e Memória do Sistema

               Os acordes de Dó maior e Sol maior, ambos sem sétima, tem as mesmas características intervalares de 3ª maior, 3ª menor e 5ª justa em suas configurações. Tocados isoladamente do contexto musical, como partes retiradas de um todo, são ouvidos com altíssimas propriedades de semelhança.

Porém como as relações de causa e efeito citadas no exemplo das bolas de bilhar, a sequência temporal na qual são tocados, faz com que possam ganhar uma característica inter-relativa de tônica e dominante, respectivamente. Tais significados do sistema tonal são decorrentes não apenas da sequência na qual eles foram executados, mas também das características de interpretação auditiva. Para que um indivíduo organize, interprete e classifique estas relações como dominante – tônica, este individuo deve ter em sua memória, os códigos auditivos destas relações tonais. O que mostra uma relação de causa e efeito não apenas na inter-relação dos eventos de uma música, mas de causa e efeito na memória total do ouvinte. Tal audição depende de uma causa maior: a memória do sistema a qual o individuo esta inserido. Só é possível tal interpretação se o individuo se desenvolver em um sistema que carrega tais características em sua memória. Uma audição totalmente distinta, no ponto de interpretação e organização dos dados assimilados será encontrada em outro individuo que se desenvolveu auditivamente em um sistema que não carrega tais características tonais. Uma relação muito próxima é encontrada nos dialetos e línguas faladas no mundo. Só entende o significado das palavras o ouvinte que conhece o vocabulário e características da língua ouvida. Tais significados estão diretamente relacionados com a interpretação temporal. Quando o individuo não entende o significado das palavras não as organiza no contexto, não assimilando suas relações. A expectativa, motivo de variação na interpretação, se mostra presente nestas circunstâncias. Ao ouvir uma dominante espera-se sua resolução, o que torna a percepção e sensibilidade do tempo distinta para o ouvinte que conhece o código daquele que não o conhece. Tais interpretações são ainda motivos de variações no processamento, pois ocorrem através da Memória Recente. Como vimos no experimento do The Solid Time Tool Kit, o processamento influencia diretamente a percepção do individuo sobre o tempo cronológico.

2.4.3 CONCLUSÃO DO EXPERIMENTO COM THE SOLID TIME TOOL KIT

            Após as análises podemos observar que as tentativas que estavam sendo feitas com a leitura influenciavam tanto qualitativamente nas descrições como em seus acertos. O individuo que ao processar a leitura lembra com menos detalhes da imagem do tempo, o que interfere diretamente na descrição dos erros e acertos. O individuo mais avançado na leitura, processava mais rapidamente os dados, o que lhe possibilitou uma maior consciência do fluxo temporal, desencadeando um maior número de acertos tanto nas chegadas quanto nas descrições. Concluímos então que a leitura é um processo que depende da Memória Recente de forma similar a percepção que o instrumentista tem dos dados da sua execução musical tanto quanto as suas inter-relações com o contexto ao qual esta inserida. Neste caso a execução com as alternâncias de agrupamento de batidas de metrônomos. Logo o interprete que faz a leitura simultaneamente a execução da peça tendera a lembrar menos dados de sua execução assim como as suas inter-relações com o contesto devido a limitação de sua Memória Recente.

2.4.2 DESCRIÇÃO DAS ANÁLISES

          As análises foram feitas comparando as descrições feitas nos questionário com as gravações. As gravações comparadas com uma escrita MIDI que quantiza exatamente as localizações das notas em relação a planilha do programa. Podemos ver com detalhes tais relações na figura abaixo:

Figura 5: Analise dos experimentos com The Solid Time Tool Kit

Figura 5: Análise dos experimentos com The Solid Time Tool Kit

2.4.1 DESCRIÇÃO DO EXPERIMENTO

            Os bateristas participantes desse experimento gravaram suas execuções durante a exposição dos exercícios no período das aulas. Após a execução os participantes responderam um questionário que demonstra a visão do individuo do fluxo temporal vivido. Segue abaixo a descrição do questionário utilizado:

Questionário sobre o método The Solid Time Tool Kit

Data:    /   /   Nome:                                                                                                          Semestre:                        N° da Pag. de Questionário( )                                                                                                                    Numero dos exercícios, N° da Pag.1° ( , )N° da tentativa 2°( ) Acerto ou erro 3°( )                          Lendo ( L ) ou Decorado (D) 4º( ) e descrição gráfica:

( , )( )( )( )                              Questionario The Solid Time Tool Kit

               O questionário tem no primeiro item a descrição do exercício que foi executado, no segundo qual das tentativas o participante descrevia. As tentativas eram executadas em séries de oito ou mais e essas foram diferenciadas nas descrições, cada uma em uma linha, podendo haver variações segundo a faixa escolhida. No item três e o individuo descrevia se pensava ter acertado ou errado (esta parte visava conhecer o quanto de agógica cada individuo interpretava entre erro e acerto). No item quatro o aluno grafava um L se estivesse lendo ou um D se tivesse decorado o exercício. Por ultimo, no item cinco, o aluno fazia uma descrição gráfica que indica as localizações das chegadas com o metrônomo. A faixa escolhida foi anotada digitalmente durante sua escolha. O metrônomo original não foi utilizado no experimento. Um novo metrônomo foi quantizado com as mesmas características na planilha do Cubase evitando possíveis fenômenos de interação entre sistemas. O mesmo sistema de gravação quantizando o metrônomo tem mais precisão.

                 Abaixo podemos ver o tipo de anotação que os alunos fizeram nos questionários. Quando o individuo acreditava ter acertado perfeitamente a batida com o metrônomo ele deveria fazer uma circunferência no traço referente ao início do compasso citado. Quando a batida ocorria um pouco após o início do compasso um traço vertical deveria ser feito do lado direito da barra referente ao início do compasso. Quando a batida ocorria ates do metrônomo o traço deveria ser feito antes da barra referente ao compasso.

Exemplo de resposta no questionario do exprimento com o The Solid Time Tool Kit

Exemplo de resposta no questionario do exprimento com o The Solid Time Tool Kit

2.4 EXPERIMENTO COM O THE SOLID TIME TOOL KIT

           The Solid Time Tool Kit é um dos métodos utilizados no currículo do curso de bateria da FAAM. O método traz um CD de áudio com 14 tracks feitas de alternâncias de agrupamentos de metrônomos com tempos de intervalos pré-definidos. Logo abaixo podemos observar a descrição das track encontrada na página quatro do método.

Descrição das Tracks do CD do método The Solid Time Tool Kit

Descrição das Tracks do CD do método The Solid Time Tool Kit

        As traks variam de BPMs, assim como a quantidade de períodos com e sem metrônomo e também as fórmulas de compasso utilizadas. A track No.1, por exemplo, é constituída de alternâncias de compassos de quatro por quatro onde um compasso tem metrônomo com batidas em semínimas e outro não. A track esta a 50 BPMs e tem seis minutos e vinte segundos de duração.

        O livro é constituído de uma série de exercícios de bateria em uma sequência didática que aumenta gradualmente sua dificuldade. Os exercícios devem ser executados juntamente as alternâncias de períodos com e sem metrônomo do CD de áudio, com a intenção de manter o andamento do metrônomo no período em que ele não aparece chegando no próximo agrupamento junto ao metrônomo.

2.3 VARIAÇÕES DA CONSCIÊNCIA DA PERCEPÇÃO DO PRESENTE

“Para dizer verdade, a psicologia nunca negou o caráter primitivo de certas reações; eram realmente necessárias reações primitivas para servirem de base às reações adquiridas, e os reflexos condicionados eram enxergados sobre os reflexos inatos. Mas, na explicação clássica, as reações primitivas repousavam em conexões anatômicas pré-formadas, ao passo que aqui resultam de relações intrínsecas entre as propriedades da causa e as do efeito. Alem disso, na tese clássica, somente a fase inicial e a fase final do processo chegavam à consciência, ao passo que aqui o conjunto forma um processo fisiológico total, ao qual corresponde a unidade do fenômeno consciente total, pelo menos no caso de organização manifesta.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

      Podemos entender melhor esta expansão da consciência do presente observando a seguinte relação de audições: só entenderá a relação dos mínimos múltiplos comuns dos ciclos simultâneos, como as polirritmias de Vessel, o observador que tiver contato e percepção dos ciclos inteiros, ao contrario a sequência poderá ser entendida de forma distinta pelo observador.

“A percepção musical que vai além da apreensão de dados acústicos isolados seria impensável, se preservasse o imediatamente passado – Husserl designava o acto de fixar como ”retenção” e o seu oposto complementar, a expectação e antecipação do futuro, como “protenção”. Sem que no final de um período melódico estivesse intuitivamente dado o seu começo, ele é, no entanto, consciente a ponto de a melodia surgir como unidade, como decurso fechado: a conclusão presente e o começo passado parecem, na representação musical, estar lado a lado, em vez de se separarem um do outro como uma figura de primeiro plano e um fundo esbatido. Graças à “retenção”, surge, por assim dizer, um presente ampliado; o ponto o agora, expande-se para trechos. Por outro lado, o imediatamente percepcionado, faz por vezes recordar o antigo, o semelhante ou igual, que se encontra separado do presente por um espaço de tempo obscuro, mergulhado no esquecimento. A continuidade e a descontinuidade da audição musical entrelaçam-se uma na outra: as partes que, no decurso da obra, surgiram como presentes umas a seguir às outras e, em seguida, se fixam intencionalmente amalgamam-se num contínuo, de maneira que a recordação, que relaciona um motivo justamente presente com outro que ficou lá mais para trás como seu retorno ou variante, é saltitante e descontínua. Mas os dois momentos, a junção ininterrupta, que representa musicalmente o fluir do tempo, e a conexão do remoto, cruzam-se e não se confundem, mas reciprocamente se condicionam e apóiam.” (DAHLHAUS, Carl. Estética Musical. Edições 70 pag.111)

      Ao acompanhar a sequência dos eventos musicais e interligá-los em um único evento o ouvinte pode vivenciar uma ampliação da consciência do presente. Para tanto este individuo já deve ter desenvolvido códigos do sistema musical, o que exigiria menos processamento na interpretação e organização dos dados, possibilitando tal macro visão ao se distanciar da imagem do tempo.

          Existe ainda um outro fator que influencia a percepção dos ciclos de eventos: se o observador tiver contato com ciclos em que eventos ocorram simultaneamente aos seus fechamentos e inícios, tais sobreposições, saturando a capacidade do processamento dos dados, a interpretação destes ciclos poderão ser totalmente distinta da realidade. Podendo ser interpretada como uma linha continua sem a percepção do fechamento do ciclo ou mínimo múltiplo comum. Uma derivação deste efeito pode ocorrer quando ciclos se intercalam através de sobreposições de seus inícios e fins. Considerado que uma melodia tem inicio meio e fim podemos entende-la como um ciclo. Um procedimento canônico muitas vezes leva a sobreposição de uma melodia sobre a outra tornando o discurso continuo e diluindo os inícios e finais sobrepostos. Podemos observar no exemplo musical No.1  abaixo (Sicut Cervus de Palestrina) tais alternâncias melódicas.

 

Exemplo Musical 1: Sicut Cervus - Palestrina

Exemplo Musical 1: Sicut Cervus – Palestrina

 

      A interpretação do presente depende de sua relação com a memória e com a quantidade de informação que o individuo consegue processar. Esse processamento tem uma forte influencia do condicionamento.

 

          Para entender melhor essa parte do condicionamento observemos os resultados do experimento com o The Solid Time Tool Kit no próximo capitulo. 

2.2 A CONSCIÊNCIA

“Feche os olhos por um instante e, desligando-se da percepção do mundo, pense numa menina tomando sorvete ou num centauro. Lembra-se do palhaço da sua festa de aniversário de cinco anos? E do nome do presidente da republica? Todos esses fatos precisam de um palco para representar seus papéis de protagonistas da vida mental – a consciência.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag. 125)

        A consciência é uma interpretação de uma relação de fatos e dados assimilados fruto da organização deles pela vivência ou memória do indivíduo, como uma relação de figura-fundo. Para uma figura poder ser percebida depende do contraste com o fundo no qual ela está inserida. Todos os fenômenos independentes dos sentidos pelo qual estão sendo captados dependem de inter-relatividades para serem interpretados, inclusive as distancias entre os eventos no tempo.

“Na doutrina que todas as formas aparentes de relações entre “estados de consciência” ou “representações” são do tipo associativo, a observação põe-nos em presença de uma série de fenômenos, cuja conexão intima nos escapa; não se pode senão notar sua ordem e reconstruir, por indução, suas leis. Dá-se com os fatos psíquicos o que se dá com esses fatos físicos cujas ligações de causalidade são concluídas e, não, percebidas.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 ; pag.120)

        A consciência formula uma realidade individual, pois está diretamente relacionada à associação da observação e a interpretação das associações dos fenômenos observados. Tanto a memória quanto a capacidade de interpretar e desenvolver probabilidades, envolvem relações dos dados assimilados no dado instante de sua captação quanto as suas possíveis organizações. Estas organizações ocorrem tanto do ser consigo mesmo (relações pessoais de percepção e interpretação) quanto do ser com o sistema ao qual pertence (memória do sistema, incluindo o senso comum e o inconsciente coletivo). Estes atuam na configuração da organização das interpretações e associações dos fenômenos observados. Estas conclusões são, como todas as verdades, momentâneas e dependentes da interpretação. Os mesmos fenômenos observados pelo mesmo observador podem ter suas interpretações variadas por uma configuração diferente de associações no momento seguinte. Como em uma ilusão de ótica em uma obra de arte onde uma imagem é criada com vários pontos de fuga. No primeiro momento a totalidade vai ser organizada em direção a um ponto de fuga e no instante seguinte pode ser organizada em direção a outro. Desta forma a mesma imagem pode ser vista de formas completamente distinta. Tais configurações aparecem nas figuras Escadarias e Relatividade do artista plástico Escher logo abaixo:

Figura 2: Pontos de Fuga e Escadarias - Escher

Figura 2: Pontos de Fuga e Escadarias – Escher

Figura 3: Relatividade - Escher

Figura 3: Relatividade – Escher

 

 

             Essas múltiplas interpretações podem ocorrer pela interação de códigos de um sistema.  Um exemplo aparece na figura do vaso e dos rostos conhecida como “Vaso de Rubin” onde ao interagirem figura e fundo os contornos se formam em dois códigos simultâneos, interdependentes e distintos. Segundo o cientista cognitivo Roger Shapard, professor da Stanfor University, “a ambiguidade na percepção significa que o mesmo estimulo físico pode dar origem a diferentes interpretações perceptiva em ocasiões diferentes” (SHEPARD, 1999, p. 123). Este fenômeno é conhecido como “segregação figura-fundo. 

 

Figura 4:  Vaso e rostos ou "Vaso de Rubin" - contornos simultâneos gerando o fenômeno de "segregação figura fundo".

Figura 4: Vaso e rostos ou “Vaso de Rubin” – contornos simultâneos gerando o fenômeno de “segregação figura fundo”.

 

          Algo parecido pode acontecer ao ouvir polirritmias onde ciclos se encaixam em um mínimo múltiplo comum, como por exemplo na composição Vessel , do disco “Koyaanisqatsi”. Nesta obra Philip Glass utiliza ciclos de 3 X 4, deixando pelo menos três possibilidades de organização dos fenômenos temporais aos observadores ouvintes. Um pulso que se organiza em volta do quatro, um que se organiza em volta do três e um terceiro que abrange o mínimo múltiplo dos dois e é sentido simultaneamente.

 

“Conhece-se a célebre tese de Hume: Vemos a bola de bilhar A vir a bater na bola de bilhar B imóvel; nesse momento A detêm e B põe-se em movimento; quando o movimento de B sucede, regularmente, ao de A dizemos que um é a causa e o outro efeito, mas não temos nenhum  meio de perceber, diretamente, essa relação causal, e distinguimo-la de uma coincidência acidental somente por sua regularidade. A causa não é senão o antecedente invariável. A psicologia associacionista tende à aplicar esta concepção á própria vida mental, de um modo que o senso comum sente como paradoxal… quando sentimos dor damos um grito; quando uma idéia evoca outra, tudo o que conhecemos desta evocação é a sucessão pura dos fatos, etc.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 ; pag.120)

 

               A causa e efeito são uma demonstração pura da ação da memória do sistema, assim como o senso comum. Um ouvinte que não cresce em um sistema onde a rítmica tem características polirritmias, tenderá a não organizar dois ciclos simultâneos. O mesmo pode acontecer a um músico que tem contato com tal técnica e conseguiria distingui-la facilmente, mas observa levianamente ou observa em um contexto que as polirritmias não são usuais. Desta forma acarretando a não distinção da organização dos dois ciclos simultâneos. Tal percepção requer o processamento da interpretação junto à percepção, memória e consciência dos eventos ouvidos no decorrer da sequência cronológica.

“Para a teoria da Forma, a organização psíquica traduz a de um processo cerebral da mesma estrutura. Os sentimentos de passagem, de causalidade, de unidade, de continuidade, são a expressão de caracteres dinâmicos fundamentais desse processo cerebral.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             O ser enxerga um espelho ao organizar a realidade: A realidade é organizada em função de sua existência passada pela existência presente para a existência futura.

 

 “Numa filosofia que se recusa a separar os materiais da organização deles, essa organização tem a mesma realidade e o mesmo valor científico que àqueles.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             O ser dá o valor do “espelho” à realidade: a partir da organização a realidade ganha qualidades e valores que são decorrentes dos códigos com os quais os dados foram organizados.

 

             Existem organizações conscientes e inconscientes das variações das interpretações dos sentidos:

 

 “encontramo-nos diante um efeito sem nada sabermos das forças as quais é devido; percebemos uma figura sem termos consciência do dinamismo que lhe impõem sua estrutura” – exemplo um cone formado por um triangulo em evolução – “esta pode mudar espontaneamente, como nos experimentos em que dois modos de percepção se alternam, e as condições subjetivas dessa oscilação podem estar tão bem ocultas que alguns sujeitos as atribuem a uma modificação material do objeto. Dá-se o mesmo, ao aspecto apetitoso de um alimento e nosso estado de fome, mesmo quando essa fome é claramente consciente; a maneira pela qual a necessidade rege esse aspecto como a sua forma ou cor, e não parece nos inerente ao objeto como a sua forma ou cor, e não prevemos que não sobrevivera à nossa fome.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             A interpretação do contexto ao qual os dados ocorrem interferem diretamente na organização dos dados assimilados.

“Nosso campo de consciência corresponde só a uma parte, e não a totalidade do que chamamos de campo psicofísico. A parte depende do todo, e só por ele é plenamente inteligível. É assim que a Teoria da Forma traduz o fato de que as funções cerebrais transbordam as funções conscientes, e que estas não se compreendem se não recolocadas num conjunto de funções inconscientes. Os erros da consciência resultam de uma confusão da parte com o todo. Podem comparar-se à deformação estrutural de uma figura, da qual as partes que já eram visíveis, pouco antes, tomariam agora, em nossa percepção, outro aspecto; ocorre algo análogo quando a psicologia completa e corrige uma interpretação do senso comum.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

                Não há percepção que alcance a totalidade, a percepção depende da decodificação dos dados assimilados pela memória.  A memória é inerente ao ser. A situação influencia o código. A interpretação é momentânea e parcial. Mais consciente é aquele que entende varias probabilidades  de interpretação simultâneas.

2.1 MEMÓRIA

              Memória é o mecanismo pelo qual se pode, no presente, inferir algo que se situa no passado.

“Enquanto fato biológico, a memória está essencialmente ligada à mudança de determinados padrões face à experiência.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag..341)

              A memória funciona através de códigos. Uma pegada no solo, por exemplo, é uma memória. Através dela saberemos da passagem de um individuo pelo local onde ela se encontra. Mas para ela ser uma memória deve ser decodificada, ou seja, a pegada deve significar uma pegada para o observador que a analisa.

“Um fóssil é memória na medida em que permite a retirada de uma variada gama de conclusões acerca do passado. É um mensageiro do tempo, mas não é só o traço, a marca deixada; é sobretudo sua inteligibilidade. Neste contexto entra o código.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag..341)

             Um outro exemplo que aprofunda esta relação encontrado no livro “O Sitio da Mente” é uma relação entre números e letras. Se a sequência 9090 tiver como interpretação que o 9 seria a ultima letra do alfabeto e o 0 a primeira o intérprete enxergaria a palavra ZAZA ao ver o código.

“O cérebro humano utiliza uma série de alterações estruturais para gerar traços de memória. Essas alterações podem se dar na frequência dos potenciais de ação, na sua amplitude (tamanho dos mesmos) e na efetividade com que o potencial se transmite para a célula seguinte.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag..341)

              Os dados sinápticos são interpretados por três fatores: tamanho do fechamento do circuito, alternância de frequência de conexão (código de barras) e alterações nos receptores do segundo neurônio, que depende diretamente na quantidade de neurotransmissores.

         Existem dois tipos de memória na sua complexidade. Memória Recente e Memória Antiga. A Memória Recente processa uma amplitude de fatos pequena em relação à memória antiga. Esta pode ser chamada de memória de trabalho e tem a capacidade de armazenar provisoriamente os dados para serem processados, é um intermediário funcional necessário mas não o suficiente para fixar definitivamente as informações. Após esse processamento os dados são armazenados na Memória Antiga. Uma relação direta pode ser feita com o sistema de computadores onde a Memória Recente está para memória RAM e a Memória Antiga esta para o HD.

“Se a consciência é palco onde se desenrola a ação mental, a memória é a protagonista por excelência. Sem ela não há a menor possibilidade de roteiro e crítica.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag..341)