8.1 LITURGIA DE CRISTAL, MESSIAEN

PREGNÂNCIA DA FORMA

   Figura 14: Alta e Baixa Pregnância

Figura 14: Alta e Baixa Pregnância

           Quanto maior for a organização, em termos de facilidade de compreensão, rapidez de leitura ou interpretação e localizações espaço temporais, maior será a pregnância. Imagens complexas e difíceis de entender, como escudos com excesso de unidades compositivas, possuem baixa pregnância, pois o observador precisa se esforçar para compreender a figura, sempre correndo o risco da ambigüidade.

            A técnica utilizada por Messian em Liturgia de cristal cria uma imagem temporal de baixíssima pregnância. A quantidade de informação é altíssima, suas localizações difíceis de serem organizadas.

            “ Messiaen vê a duração como um “dado imediato da consciência”. Define a duração como flutuação de tempos e mudança de velocidade e nesse sentido enfatiza a duração heterogênea e indivisível. Essa definição põe então de lado a sucessão de medidas cronológicas enfatizando a “sucessão de estados de consciência”, visto que esta é interna e não externa à experiência que o sujeito tem com o objeto. O tempo anteriormente visto como estruturado, abstrato, cronológico, distingue-se agora da duração vivida; um é o tempo homogêneo de partes idênticas e o outro a duração heterogênea que se dá por superposição de velocidades diferentes.” [1]

 

            Para entender as relações de Liturgia de Cristal, o ouvinte deve ampliar seu presente de forma a não fechar ciclos tornando o tempo estriado. Segundo o próprio Messiaen sua técnica é direcionada e fundamentada na filosofia do tempo liso de Bergson. Busca tal efeito na consciência do ouvinte pela distancia a qual o ouvinte deve se por diante da imagem do tempo. Tal técnica é utilizada em Liturgia de Cristal deslocando 29 acordes no piano sobre uma série de 17 durações simultaneamente a uma serie de 5 notas no cello que desloca-se sobre uma serie de 15 durações.

         “Aproximando esse heterogêneo de uma possível estratégia composicional, Messiaen faz uma leitura de Donnés imediates de Bergson que relaciona o heterogêneo com a pura duração – com a duração do vivido. Essa “heterogêneidade pura” resulta então da sucessão de mudanças qualitativas que se fundem, se interpenetram, sem definir qualquer contorno preciso  sem nenhuma tendência a exteriorizar um termo com relação a outro como imperava nas relações de desenvolvimento, direcionalidade e hierarquia”   [2]

 

Figura 15: Complexidade e baixa pregnância Foto de Prédios

Figura 15: Complexidade e baixa pregnância Foto de Prédios

 

           A forma e estrutura de Liturgia de Cristal são similares a um vitral complexo, onde o observador deve se afastar da imagem para entender sua complexidade.

 

           “Em seu Traitée de rythme, de couleur, et dòrnithologie, Messiaen apresenta a música como sendo a arte do tempo: ela delineia o tempo. Ou, como diz Deleuze a esse respeito: fazer do som o artifício que torna o tempo sensível .”[3]

Figura 16: Vitral formado apenas com figuras geométricas

Figura 16: Vitral formado apenas com figuras geométricas

 

Figura 17: Vitral da Capela de Notre de La Belle Verrière ; França

Figura 17: Vitral da Capela de Notre de La Belle Verrière ; França

 Vitral com simbolismo Cristão, presente na obra de  Messiaen

           Abaixo veremos modelo da imagem rítmica de “Liturgia de Cristal” de Messiaen, criado por Renato Bon, através de um sistema semelhante a percepção humana. Um sistema que vincula espaço e tempo de forma analógica, ou seja, quanto maior a duração maior o espaço que ela ocupa na imagem:

Figura 18: 1ª Imagem de Liturgia de Cristal

Figura 18: 1ª Imagem de Liturgia de Cristal

           Ao nos afastarmos podemos enxergar mais de sua estrutura, ao passo que mais compassos são inseridos ao campo de visão:

Figura 19: 2ª Imagem de liturgia de Cristal

Figura 19: 2ª Imagem de liturgia de Cristal

 

Em um segundo afastamento podemos enxergar mais de sua estrutura:

Figura 20: 3ª Imagem de Liturgia de Cristal

Figura 20: 3ª Imagem de Liturgia de Cristal

 

Imagem total da peça:

Figura 21: Imagem total de Liturgia de cristal

Figura 21: Imagem total de Liturgia de cristal

Análise:

           “O que notaremos é que para Messiaen não basta, no entanto, a dicotomização entre tempo e eternidade, mas ficar entre o tempo e a eternidade. E, com a idéia de “tempos superpostos”, ele fala de três formas de percepção do tempo: 1) a que esquece os termos e considera apenas o todo; 2) a que separa os termos em partes discretas; 3) a que liga os termos por meio da memória “[4]

Exemplo Musical  5: Serie rítmica do piano de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 5: Serie rítmica do piano de Liturgia de Cristal

 Os números mostram a seqüência das series rítmicas nos dois instrumentos, Piano e Cello. Logo abaixo podemos observar com maiores detalhes:

Exemplo Musical  6: Início de Liturgia de Cristal Piano e Cello

Exemplo Musical 6: Início de Liturgia de Cristal Piano e Cello

          Junto a esta estrutura o violino e o clarinete desenvolvem melodias flutuantes com muitas quiálteras.

         Na seqüência veremos os números da serie rítmica de 17 durações em preto e junto à série de 25 acordes do piano:

Exemplo Musical  7-02

Exemplo Musical  7: Serie de 17 durações junto a serie de 25 acordes do piano de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 7: Serie de 17 durações junto a serie de 25 acordes do piano de Liturgia de Cristal

Assim por diante.

   Violoncello:

Exemplo Musical  8 Série de 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 8 Série de 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

1ª Posição:

Exemplo Musical  9: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

Exemplo Musical 9: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal

2ª Posição:

Exemplo Musical  10: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal  2ª Posição

Exemplo Musical 10: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal
2ª Posição

3ª Posição

Exemplo Musical  11: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal  3ª Posição

Exemplo Musical 11: As 5 alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal
3ª Posição

Assim por diante.

           Abaixo podemos ver As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura:

Exemplo Musical  12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura

Exemplo Musical 12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura

 

 

 

 

 

 

 

Exemplo Musical  12: As 5 Alturas andando sobre as 15 durações do Cello de Liturgia de Cristal como é na seqüência da partitura


[1]  Silvio Ferraz,  Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998 pag.186

[2] (Traité de rythme, de couleur Et dòrnithologie 1992, pag.34 por Silvio Ferraz, apud- Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998)

[3] Silvio Ferraz,  Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998 pag.186

[4] (Traité de rythme, de couleur Et dòrnithologie 1992, pag.35 por Silvio Ferraz, apud- Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo : EDUC ; FAPESP, 1998)