2.2 A CONSCIÊNCIA

“Feche os olhos por um instante e, desligando-se da percepção do mundo, pense numa menina tomando sorvete ou num centauro. Lembra-se do palhaço da sua festa de aniversário de cinco anos? E do nome do presidente da republica? Todos esses fatos precisam de um palco para representar seus papéis de protagonistas da vida mental – a consciência.” (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed.São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 ;pag. 125)

        A consciência é uma interpretação de uma relação de fatos e dados assimilados fruto da organização deles pela vivência ou memória do indivíduo, como uma relação de figura-fundo. Para uma figura poder ser percebida depende do contraste com o fundo no qual ela está inserida. Todos os fenômenos independentes dos sentidos pelo qual estão sendo captados dependem de inter-relatividades para serem interpretados, inclusive as distancias entre os eventos no tempo.

“Na doutrina que todas as formas aparentes de relações entre “estados de consciência” ou “representações” são do tipo associativo, a observação põe-nos em presença de uma série de fenômenos, cuja conexão intima nos escapa; não se pode senão notar sua ordem e reconstruir, por indução, suas leis. Dá-se com os fatos psíquicos o que se dá com esses fatos físicos cujas ligações de causalidade são concluídas e, não, percebidas.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 ; pag.120)

        A consciência formula uma realidade individual, pois está diretamente relacionada à associação da observação e a interpretação das associações dos fenômenos observados. Tanto a memória quanto a capacidade de interpretar e desenvolver probabilidades, envolvem relações dos dados assimilados no dado instante de sua captação quanto as suas possíveis organizações. Estas organizações ocorrem tanto do ser consigo mesmo (relações pessoais de percepção e interpretação) quanto do ser com o sistema ao qual pertence (memória do sistema, incluindo o senso comum e o inconsciente coletivo). Estes atuam na configuração da organização das interpretações e associações dos fenômenos observados. Estas conclusões são, como todas as verdades, momentâneas e dependentes da interpretação. Os mesmos fenômenos observados pelo mesmo observador podem ter suas interpretações variadas por uma configuração diferente de associações no momento seguinte. Como em uma ilusão de ótica em uma obra de arte onde uma imagem é criada com vários pontos de fuga. No primeiro momento a totalidade vai ser organizada em direção a um ponto de fuga e no instante seguinte pode ser organizada em direção a outro. Desta forma a mesma imagem pode ser vista de formas completamente distinta. Tais configurações aparecem nas figuras Escadarias e Relatividade do artista plástico Escher logo abaixo:

Figura 2: Pontos de Fuga e Escadarias - Escher

Figura 2: Pontos de Fuga e Escadarias – Escher

Figura 3: Relatividade - Escher

Figura 3: Relatividade – Escher

 

 

             Essas múltiplas interpretações podem ocorrer pela interação de códigos de um sistema.  Um exemplo aparece na figura do vaso e dos rostos conhecida como “Vaso de Rubin” onde ao interagirem figura e fundo os contornos se formam em dois códigos simultâneos, interdependentes e distintos. Segundo o cientista cognitivo Roger Shapard, professor da Stanfor University, “a ambiguidade na percepção significa que o mesmo estimulo físico pode dar origem a diferentes interpretações perceptiva em ocasiões diferentes” (SHEPARD, 1999, p. 123). Este fenômeno é conhecido como “segregação figura-fundo. 

 

Figura 4:  Vaso e rostos ou "Vaso de Rubin" - contornos simultâneos gerando o fenômeno de "segregação figura fundo".

Figura 4: Vaso e rostos ou “Vaso de Rubin” – contornos simultâneos gerando o fenômeno de “segregação figura fundo”.

 

          Algo parecido pode acontecer ao ouvir polirritmias onde ciclos se encaixam em um mínimo múltiplo comum, como por exemplo na composição Vessel , do disco “Koyaanisqatsi”. Nesta obra Philip Glass utiliza ciclos de 3 X 4, deixando pelo menos três possibilidades de organização dos fenômenos temporais aos observadores ouvintes. Um pulso que se organiza em volta do quatro, um que se organiza em volta do três e um terceiro que abrange o mínimo múltiplo dos dois e é sentido simultaneamente.

 

“Conhece-se a célebre tese de Hume: Vemos a bola de bilhar A vir a bater na bola de bilhar B imóvel; nesse momento A detêm e B põe-se em movimento; quando o movimento de B sucede, regularmente, ao de A dizemos que um é a causa e o outro efeito, mas não temos nenhum  meio de perceber, diretamente, essa relação causal, e distinguimo-la de uma coincidência acidental somente por sua regularidade. A causa não é senão o antecedente invariável. A psicologia associacionista tende à aplicar esta concepção á própria vida mental, de um modo que o senso comum sente como paradoxal… quando sentimos dor damos um grito; quando uma idéia evoca outra, tudo o que conhecemos desta evocação é a sucessão pura dos fatos, etc.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966 ; pag.120)

 

               A causa e efeito são uma demonstração pura da ação da memória do sistema, assim como o senso comum. Um ouvinte que não cresce em um sistema onde a rítmica tem características polirritmias, tenderá a não organizar dois ciclos simultâneos. O mesmo pode acontecer a um músico que tem contato com tal técnica e conseguiria distingui-la facilmente, mas observa levianamente ou observa em um contexto que as polirritmias não são usuais. Desta forma acarretando a não distinção da organização dos dois ciclos simultâneos. Tal percepção requer o processamento da interpretação junto à percepção, memória e consciência dos eventos ouvidos no decorrer da sequência cronológica.

“Para a teoria da Forma, a organização psíquica traduz a de um processo cerebral da mesma estrutura. Os sentimentos de passagem, de causalidade, de unidade, de continuidade, são a expressão de caracteres dinâmicos fundamentais desse processo cerebral.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             O ser enxerga um espelho ao organizar a realidade: A realidade é organizada em função de sua existência passada pela existência presente para a existência futura.

 

 “Numa filosofia que se recusa a separar os materiais da organização deles, essa organização tem a mesma realidade e o mesmo valor científico que àqueles.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             O ser dá o valor do “espelho” à realidade: a partir da organização a realidade ganha qualidades e valores que são decorrentes dos códigos com os quais os dados foram organizados.

 

             Existem organizações conscientes e inconscientes das variações das interpretações dos sentidos:

 

 “encontramo-nos diante um efeito sem nada sabermos das forças as quais é devido; percebemos uma figura sem termos consciência do dinamismo que lhe impõem sua estrutura” – exemplo um cone formado por um triangulo em evolução – “esta pode mudar espontaneamente, como nos experimentos em que dois modos de percepção se alternam, e as condições subjetivas dessa oscilação podem estar tão bem ocultas que alguns sujeitos as atribuem a uma modificação material do objeto. Dá-se o mesmo, ao aspecto apetitoso de um alimento e nosso estado de fome, mesmo quando essa fome é claramente consciente; a maneira pela qual a necessidade rege esse aspecto como a sua forma ou cor, e não parece nos inerente ao objeto como a sua forma ou cor, e não prevemos que não sobrevivera à nossa fome.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

             A interpretação do contexto ao qual os dados ocorrem interferem diretamente na organização dos dados assimilados.

“Nosso campo de consciência corresponde só a uma parte, e não a totalidade do que chamamos de campo psicofísico. A parte depende do todo, e só por ele é plenamente inteligível. É assim que a Teoria da Forma traduz o fato de que as funções cerebrais transbordam as funções conscientes, e que estas não se compreendem se não recolocadas num conjunto de funções inconscientes. Os erros da consciência resultam de uma confusão da parte com o todo. Podem comparar-se à deformação estrutural de uma figura, da qual as partes que já eram visíveis, pouco antes, tomariam agora, em nossa percepção, outro aspecto; ocorre algo análogo quando a psicologia completa e corrige uma interpretação do senso comum.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

                Não há percepção que alcance a totalidade, a percepção depende da decodificação dos dados assimilados pela memória.  A memória é inerente ao ser. A situação influencia o código. A interpretação é momentânea e parcial. Mais consciente é aquele que entende varias probabilidades  de interpretação simultâneas.