2.3 VARIAÇÕES DA CONSCIÊNCIA DA PERCEPÇÃO DO PRESENTE

“Para dizer verdade, a psicologia nunca negou o caráter primitivo de certas reações; eram realmente necessárias reações primitivas para servirem de base às reações adquiridas, e os reflexos condicionados eram enxergados sobre os reflexos inatos. Mas, na explicação clássica, as reações primitivas repousavam em conexões anatômicas pré-formadas, ao passo que aqui resultam de relações intrínsecas entre as propriedades da causa e as do efeito. Alem disso, na tese clássica, somente a fase inicial e a fase final do processo chegavam à consciência, ao passo que aqui o conjunto forma um processo fisiológico total, ao qual corresponde a unidade do fenômeno consciente total, pelo menos no caso de organização manifesta.” (GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma; pag.122)

      Podemos entender melhor esta expansão da consciência do presente observando a seguinte relação de audições: só entenderá a relação dos mínimos múltiplos comuns dos ciclos simultâneos, como as polirritmias de Vessel, o observador que tiver contato e percepção dos ciclos inteiros, ao contrario a sequência poderá ser entendida de forma distinta pelo observador.

“A percepção musical que vai além da apreensão de dados acústicos isolados seria impensável, se preservasse o imediatamente passado – Husserl designava o acto de fixar como ”retenção” e o seu oposto complementar, a expectação e antecipação do futuro, como “protenção”. Sem que no final de um período melódico estivesse intuitivamente dado o seu começo, ele é, no entanto, consciente a ponto de a melodia surgir como unidade, como decurso fechado: a conclusão presente e o começo passado parecem, na representação musical, estar lado a lado, em vez de se separarem um do outro como uma figura de primeiro plano e um fundo esbatido. Graças à “retenção”, surge, por assim dizer, um presente ampliado; o ponto o agora, expande-se para trechos. Por outro lado, o imediatamente percepcionado, faz por vezes recordar o antigo, o semelhante ou igual, que se encontra separado do presente por um espaço de tempo obscuro, mergulhado no esquecimento. A continuidade e a descontinuidade da audição musical entrelaçam-se uma na outra: as partes que, no decurso da obra, surgiram como presentes umas a seguir às outras e, em seguida, se fixam intencionalmente amalgamam-se num contínuo, de maneira que a recordação, que relaciona um motivo justamente presente com outro que ficou lá mais para trás como seu retorno ou variante, é saltitante e descontínua. Mas os dois momentos, a junção ininterrupta, que representa musicalmente o fluir do tempo, e a conexão do remoto, cruzam-se e não se confundem, mas reciprocamente se condicionam e apóiam.” (DAHLHAUS, Carl. Estética Musical. Edições 70 pag.111)

      Ao acompanhar a sequência dos eventos musicais e interligá-los em um único evento o ouvinte pode vivenciar uma ampliação da consciência do presente. Para tanto este individuo já deve ter desenvolvido códigos do sistema musical, o que exigiria menos processamento na interpretação e organização dos dados, possibilitando tal macro visão ao se distanciar da imagem do tempo.

          Existe ainda um outro fator que influencia a percepção dos ciclos de eventos: se o observador tiver contato com ciclos em que eventos ocorram simultaneamente aos seus fechamentos e inícios, tais sobreposições, saturando a capacidade do processamento dos dados, a interpretação destes ciclos poderão ser totalmente distinta da realidade. Podendo ser interpretada como uma linha continua sem a percepção do fechamento do ciclo ou mínimo múltiplo comum. Uma derivação deste efeito pode ocorrer quando ciclos se intercalam através de sobreposições de seus inícios e fins. Considerado que uma melodia tem inicio meio e fim podemos entende-la como um ciclo. Um procedimento canônico muitas vezes leva a sobreposição de uma melodia sobre a outra tornando o discurso continuo e diluindo os inícios e finais sobrepostos. Podemos observar no exemplo musical No.1  abaixo (Sicut Cervus de Palestrina) tais alternâncias melódicas.

 

Exemplo Musical 1: Sicut Cervus - Palestrina

Exemplo Musical 1: Sicut Cervus – Palestrina

 

      A interpretação do presente depende de sua relação com a memória e com a quantidade de informação que o individuo consegue processar. Esse processamento tem uma forte influencia do condicionamento.

 

          Para entender melhor essa parte do condicionamento observemos os resultados do experimento com o The Solid Time Tool Kit no próximo capitulo.