1. INTRODUÇÃO

 

         O estudo das diferentes maneiras de se organizar o tempo e a consciência de suas várias percepções tendo o tempo cronológico como eixo principal (como referência de medida) proporciona uma melhor apreensão da organização dos constituintes de um sistema (seja ele uma rede de códigos ou um sistema social, que carrega uma memória em sua constituição, um senso comum). O entendimento dessa organização pode, eventualmente, gerar uma maior fluidez nas trocas de informações. Particularmente em momentos nos quais essas trocas dependem da organização mencionada, do reconhecimento de padrões e mesmo da variação de entropia. Coexistindo ao tempo cronológico, as outras consciências do tempo, umas mais caóticas e outras mais padronizadas, estão em constante reorganização e existem como probabilidades em vários níveis de existência. Dessa forma, o conhecimento e o reconhecimento dessas diferentes percepções – na realidade, probabilidades de percepções – fornecem a interação entre os constituintes de um sistema e, eventualmente, uma maior probabilidade de entendimento. É importante dizer que ao escolher uma das organizações o observador congela momentaneamente uma das probabilidades. As interações das probabilidades congeladas pelos constituintes do sistema se equilibram em uma organização de maior escala. A troca de informação entre os constituintes do sistema promove a probabilidade da parte entender o todo, gerando um estado de maior consciência.
           A música entendida como fenômeno temporal e social traz ao ambiente social no qual ela é executada, uma forte influência na consciência e na organização temporal do ouvinte. A música, apesar de estar contida no tempo, carrega em si o seu próprio tempo. Pode–se dizer então que ela tem o poder de mudar a sensação temporal do ambiente (da rede de significados temporais e percepção da duração dos eventos) no qual ela está sendo executada. Acreditamos, portanto, que o estudo da música e das diferentes consciências e percepções do tempo nos conduzem, no mínimo, a uma maior consciência da rede de probabilidades de eventos e conexões. Em última instância, proporciona uma maior fluidez nas trocas de informações em quaisquer sistemas. O fluxo temporal é então sentido individualmente e comunitariamente, já que o todo e a parte não são percebidos nem organizados de forma consciente simultaneamente. A troca de informação possibilita um aumento na consciência do fluxo temporal vivenciado por qualquer sistema. Perceber a parte de um todo é um dos limites da percepção e consciência do tempo cronológico, já que tal percepção depende da relatividade entre as distâncias e significados dos eventos no fluxo temporal. Além dos dados vivenciados no presente é intrínseco à natureza do evento o seu passado, o que desencadeou aquele evento, e seu futuro, quais transformações ele trará a sequencia dos fatos. Neste ponto existem inúmeras variações que limitam os observadores a uma parte do evento. A memória relaciona o presente ao passado formando inúmeras interpretações, ocasionando expectativas e probabilidades na ordem causa e efeito. O fato de o individuo compreender apenas uma parte do todo pode causar inúmeras variações na assimilação, organização e interpretação dos dados.
        Outro limite está na inter-relação dos eventos musicais proporcionada pela técnica composicional utilizada. Este limite está diretamente relacionado aos limites da fisiologia da percepção e a interpretação do fenômeno físico temporal vivenciado. As distâncias e a quantidade de informação que os eventos musicais carregam consigo podem beirar ou ultrapassar a capacidade fisiológica na absorção e ou na organização dos dados deste evento. O que pode ocasionar inúmeras variações na percepção e consciência que os espectadores farão. A assimilação e organização destas localizações de eventos musicais, de forma matemática e gráfica serão o ponto de partida para o foco principal deste trabalho que consistirá em relacionar tais gráficos temporais as leis de organização perceptuais da Gestalt, assim como os limites do aparelho fisiológico perceptivo humano.
         A fisiologia da percepção pode ser dividida em duas partes. Uma que capta os estímulos externos e outra que os organiza. Os dados captados são transformados em códigos e organizados pela memória. (NERO, Henrique Schützer Del. O Sítio Da Mente 5ª Ed. São Paulo: Collegium Cogniti Ltda, 2002 – GUILLAUME, Paul. A Psicologia da Forma 2ªed São Paulo: Nacional, 1966) A memória é o mecanismo pelo qual, no presente, se pode inferir algo no passado. A consciência depende diretamente da relação dos dados assimilados no presente com os da memória. Os dados que não são organizados (por não terem código na memória) ou que extrapolem a capacidade de organização ou assimilação não são trabalhados conscientemente, muitas vezes se tornando não perceptíveis. A percepção só existe se houver consciência, e a consciência só existe se houver memória. Portanto seguiremos esta ordem na exposição do trabalho. Dados percebidos não conscientemente podem permanecer no inconsciente do individuo e influenciá-lo futuramente, mas o inconsciente não será abordado diretamente neste trabalho. Restringiremo-nos ao mensurável de forma a poder através de experimentos obter conclusões solidas que valeriam para todos os indivíduos que não apresentem algum tipo de patologia clinica.
         As variações na percepção e consciência que os humanos fazem do tempo cronológico podem ocorrer, por três agentes: limitações psicofísicas, limitações biológicas no ponto de absorção dos dados decorrentes da constituição fisiológica do mecanismo humano e limites do fenômeno físico temporal. “A percepção que se faz do objeto está ligada tanto ao objeto como também aos limites do aparelho medidor (os órgãos sensoriais).” (FERRAZ, Silvio. Musica e Repetição a Diferença na Composição Contemporânea São Paulo: EDUC; FAPESP, 1998) Um dos limites mais importante é a direção do tempo, não se anda fisicamente para trás no tempo, “não dá para desmastigar uma maçã” (COVERNY, Petre & HIGHFIELD, Roger. Flecha Do Tempo São Paulo: Siciliano, 1993), mas é só através da memória com suas constantes visitas ao passado, que criamos uma imagem do tempo, (a maçã antes de ser mastigada). Esta imagem é fruto da inter-relação dos eventos assimilados pelos órgãos sensoriais e decodificados na mente. Tempo e espaço são interdependentes em sua existência tanto física quanto psicofísica. O fluxo temporal só é mensurável quando se encontra espacializado. (MARANHÃO, Maria Cristina Souza de Albuquerque. Uma Engenharia Didática Para a Aprendizagem de Concepções Do Tempo) No entanto, distintas velocidades podem ser percebidas não espacialmente, mas só poderão ser mensuradas através do espaço. Ao espacializar a seqüência dos eventos, leis de organização visual da Gestalt serão relacionadas à imagem do tempo como suporte para organizar as variações decorrentes, as quais serão estudadas.
         Pontos importantes nas variações de organização e de assimilação dos dados estão relacionados à pré-disposição do individuo em assimilar as informações e seu estado emocional. Como por exemplo a expectativa: se o individuo está em um estado de expectativa ele tende a organizar os dados em relação a esta expectativa. Assim como a fome varia o sabor dos alimentos a expectativa também varia a passagem do tempo. Um outro tipo de variação ocorre através da importância dada ao momento pelo qual o individuo está passando. Se o momento é sentido como decisivo o individuo se põe diante dele com uma maior atenção e este estado de alerta gera uma maior absorção de dados. (BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração São Paulo: Ática, 1988) Não são variações como estas que trabalharemos, pois estas não são mensuráveis sendo apenas sentidas, conseqüentemente são subjetivas, inerentes ao momento e particularidades individuais.
       As variações na percepção e na consciência do tempo cronológico decorrentes das limitações psicofísicas mensuráveis sob o ponto de vista das inter-relações dos eventos terão um lugar de maior importância nesse trabalho. Outros dois tipos de variações estão presentes no capitulo 6. Estes caminham junto aos limites psicofísicos e nos ajudarão a entender de forma menos subjetiva as relações perceptuais temporais musicais e temporais cronológicas.
          Buscamos então, tanto os limites da percepção e da consciência dos eventos musicais em suas seqüências no fluxo cronológico do tempo, quanto os limites de organizações individuais próximos à absorção dos dados, medindo e comparando os vários pontos de vistas obtidos em laboratório. Para tanto desenvolvemos experimentos com o objetivo de observar estes limites sob a influência de algumas técnicas selecionadas. Os critérios de seleção dessas técnicas foram baseados em aspectos temporais mensuráveis, como por exemplo, localização de ataques e durações. As outras propriedades do som serão vistas como informações pertencentes a estas localizações temporais. Desta forma podemos medir a quantidade de informação que as localizações carregam, e o quanto esta densidade de informação pode influenciar a percepção e consciência farão do tempo cronológico. As localizações que por suas relatividades carreguem uma maior complexidade, beirando os limites de absorção e organização dos dados são os critérios primordiais de seleção. Aspectos do sistema tonal e outros sistemas que utilizem a memória de forma sistemática, criando códigos que terão influência na criação da imagem temporal dos trechos musicais selecionados serão descritos paralelamente com a intenção de demonstrar a influência do sistema criado com as alturas na percepção do ritmo.
          Finalmente podemos concluir que a observação das possíveis influências das técnicas composicionais na percepção e consciência que os humanos fazem do tempo cronológico, conectadas às leis de organização da Gestalt, nos permite mensurar e classificar tais variações direcionando em potencial a causa e o efeito das técnicas utilizadas.